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sexta-feira, 10 de outubro de 2008

MALDITO CANSAÇO!


por Poliana Bicalho

Na madrugada passada despertei repentinamente. Acredito que o rádio ligado, a luz do poste que incisivamente refletia na janela ou a ausência de um colchão macio incentivaram as minhas pálpebras abrirem antes da hora ‘certa’. O fato é que com a insônia inesperada levantei-me e fui à cozinha beber um pouco de água.
Exatamente às 4h da manhã me peguei observando uma fila de formigas que surgia na fresta da porta da cozinha e que ia direto para o açucareiro aberto sobre a mesa.
De inicio esbravejei internamente (para não acordar os moradores que dormiam tranqüilamente) ao verificar que as formigas insistiam em encher o meu açucareiro com os seus pequeninos corpos. Num impulso, peguei o chinelo e com uma crueldade infantil decidi que mataria uma a uma cada formiga. Ao me aproximar das vítimas, uma das pequenas que carregava um farelo de biscoito, audaciosamente subiu na minha mão esquerda e com uma dignidade caminhou por todo o meu braço, passando pelos ombros indo parar no dedão da mão direita, que segurava o chinelo. Fiquei chocada com tanta ousadia, eu ‘armada’ com um chinelo, estava sofrendo intimidação de um pequeno animal. Aceitei o desafio e decidi deixá-la seguir até onde queria.
Ao vê-la parada na unha do meu dedão hesitei em aproximar minha mão do rosto. Eu e uma formiga nada mais naquela cozinha vazia! Ao Aproximar meus olhos do pequeno animal, vi um corpinho engraçado e uns olhos que me olhavam....sim me olhavam! E como me olhavam! Por um instante lembrei-me de metamorfose de Kafka ou de um conto de Luis Vilela do livro Tremor de Terra, no qual um homem virou um tatu. Teria aquela formiga alma humana!? Arrepiei-me diante da indagação.... devo estar louca! Pensei!
Ela não mais prosseguiu ficou ali parada por longos minutos. Era uma experiência intrigante, se pensarmos pela ciscustância que ela se dara: eu com insônia acordava no meio da noite e deparava-se com uma fileira de formigas e no instante seguinte, fazia reflexões existenciais. Lembrei-me que não tinha registro algum recente sobre ficar horas na companhia de alguém tão agradável. Por isso fiquei ali: minutos, horas olhando para aquela formiga sem perceber que uma a uma as demais formigas desapareceram. Por àquela hora eu já tinha largado o chinelo, não fazia qualquer sentido estar com ele.
O dia clareou e eu e a formiga, sentados no sofá continuávamos a conversar no silêncio de nossas vidas. Eu gente humana e ela gente formiga que tanto me ensinava naquelas preciosas horas: é preciso colocar-se em perigo para defender o que acredita e está sempre certa que a perda é só uma circunstância mal aproveitada. Naquele momento rompi com a bolha de ilusão que vivi toda uma vida, e como doía essa nova situação, mais lúcida, mais coerente.



PS.: Caros leitores despertei do sonho embora de fato não tivesse dormido, mas é que o ônibus que eu estava chegou na Estação da Lapa e preciso me apressar, para não me parecer tão vulnerável no trajeto de volta para casa. Nesta sociedade no qual os problemas ainda são resolvidos a chineladas.