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quarta-feira, 30 de abril de 2008

Exercício de Crítica Teatral

A LUPA RODRIGUEANA

Por Poliana Bicalho


Os personagens do universo rodrigueano povoam o imaginário do público, trazendo consigo o desconforto de suas existências. Falar da literatura e do teatro de Nelson Rodrigues é evocar as obsessões, a morbidez e a loucura dos seus personagens, frutos de uma intensa observação do ser humano. Desta maneira, estabelece-se uma relação ao mesmo tempo de incômodo e de identificação do receptor com as peças.
Neste texto pretendo debruçar-me sobre a peça A Mulher sem pecado escrita em 1939 e encenada pela primeira vez em 1941, no Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro pertencente ao núcleo de peças psicológicas e que não rendeu ao autor uma estréia tão feliz junto ao público. Penso nos conflitos e convergências entre o texto dramático de 1939 e a encenação realizada em 2008, por alunos da Escola de Teatro da Ufba em Salvador – Bahia, sob a direção de Hedre Lavnsk Couto. Quais são os diálogos existentes entre o texto e a sociedade contemporânea? O que a Mulher sem pecado diz para o seu público de hoje?
A atemporalidade da peça permite que ela resignifique a cada nova montagem, pois como fruto de uma sociedade o seu discurso é para a sociedade. O teatro é uma arte viva, uma prática da ação, sendo ao mesmo tempo uma verdade e um ponto de vista sobre um objeto. O texto cênico da vida ao texto dramático, neste processo de transposição, alguns elementos se perdem outros tomam uma nova dimensão. Entretanto é importante salientar que esta análise não caminha no sentido de investigar a intencionalidade do dramaturgo e principalmente do encenador, pois se entende que ela deve estar suficientemente clara na proposta de montagem e ser capaz de atingir o público sem intermediários.
A peça A Mulher sem pecado tem como eixo central o ciúmes doentio de Olegário que a fim de testar a fidelidade de sua mulher, simula uma paralisia irreversível ficando durante sete meses em uma cadeira de rodas. “A única coisa que me interessa é ser ou não ser traído” confessa Olegário, protagonista da trama a sua mulher Lídia.
A atmosfera da peça gira em torno de uma tensão constante e de uma relação de opressão, entre o homem e a mulher, a sexualidade existentes nas mulheres de Nelson Rodrigues em A Mulher sem pecado ainda não é tão clara. Como afirma Magaldi (2004, p.16) Por enquanto, a heroína rodriguiana é mais tímida e, ciente de que suas palavras enlouqueceram, pede perdão à sogra, incapaz de entendê-la. Pressionada, Lídia foge, em meio às contradições interiores, opta pela fuga. A proposta de montagem caminhou no sentido de construir uma atmosfera sexual. A partir do não cumprimento das rubricas, foi propostos cenas que exploravam a beleza do corpo de Lídia, seja no ato de tomar banho, de trocar de roupa ou passar creme pelo corpo. Esta sensualidade também é presente na relação de Olegário com Lídia de 10 anos. O público reagiu a essa sexualidade, a partir de um comportamento inapropriado ao teatro, como assovios e gritos e com certo deboche nos momentos de tensão.
A compreensão da figura de Olegário está na presença insistente e muda da mãe D. Aninha que com a sua ação única de enrolar um paninho, traz os elementos que ajuda a decodificar o protagonista. Sua presença é bastante simbólica, fazendo com que o momento de explosão de Lídia ocorra durante uma cena de contato com a velha. Entretanto, na montagem considero que personagem ficou fragilizada, no primeiro momento ela esteve fora do campo de visão do público, sendo revista e modificada durante a temporada, e pela frágil relação cênica entre D. Aninha e Olegário.
A figura de Maurício na encenação ganhou novos elementos Ele é o irmão de Lídia e narrador da trama, a partir do momento que ele ler trechos do texto dramático, assumindo a autoria de Nelson Rodrigues. O encenador utiliza-se o recurso de coro, para dar ênfase a algumas passagens da história, mantendo na maior parte do tempo todos os personagens em cena. Em contrapartida o encenador, preferiu suprimir a voz em off da consciência de Olegário, mas o próprio personagem se apropriará de algumas destas falas. Havendo desta maneira cortes de cenas e perda de tensão.
Maurício oscilava numa construção ora infantil ora afeminado, ao longo da temporada venho à tona uma homossexualidade, representada através de trejeitos próprios do universo gay. No texto dramático não há presença clara quanto à opção sexual do rapaz, a meu ver.
A figura de Lídia é de uma mulher oprimida pela figura masculina que possui o status legítimo de oprimir essa mulher, por ser o marido, ter o dinheiro, possuir mais maturidade. Lídia é facilmente conduzida por este homem, sendo subserviente apesar de no final consumar o ato da traição. Todavia no ato de traição vejo apenas a transferência de poderes de Olegário para Humberto. Este é tão rude e cruel quanto o outro para com ela e em nenhum momento é criado uma relação de afeto e carinho entre eles.
O cenário deixava claro para o público o universo doméstico da peça. Havendo a presença de objetos antigos, tidos como clássicos e outros bastante modernos, como o modelo da luminária e da presença do computador. É justamente esta convergência que traz um ar te atemporalidade a peça. O figurino não é claro a sua época e sua música erudita dar um ar aristocrático a encenação. A presença de muitos elementos do cenário incomoda, pois o espaço da apresentação é limitado, mas dialoga muito bem com as propostas de cena do diretor. A luz é bastante simples, tendo dois focos principais, na velha e na cadeira onde a maioria dos personagens se relaciona, outro foco foi à própria luminária que era ora ligada ora desligada por Olegário e o efeito de sombra criado em dois momentos onde Lídia toma banho.
O trabalho de crítica é sempre muito duro, pois mesmo que pretendemos estabelecer diálogos e reflexões somos imparciais ao deixar transparecer os nossos próprios anseios. Como público de 2008 reflito sobre o papel desta mulher que ingênua e sensual não é dona de sua vida. Magaldi coloca que A Mulher sem pecado faz a analogia ao trágico desfecho do Estado Novo eu faço a analogia ao universo e papel da mulher na sociedade contemporânea.




*Trabalho realizado para o componente curricular Elementos do Teatro, do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal da Bahia